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A prosa sobre a culinária sempre me remete a Rubem Alves: ele dizia escrever como quem cozinha, pensando no prazer que iria proporcionar. Já eu, cá entre os meus sabores, penso no cozinheiro como um amante generoso que se delicia com a antecipação do gozo de outrem, uma viagem pela gustação alheia. Modificar o alimento, tratá-lo como ingrediente é, acima de qualquer coisa, uma condição exclusivamente humana. Transformamos aquilo que a natureza nos proporciona em algo mais exclusivo, mais palatável…mais gostoso!

Perceberam que na cozinha já se desenrolaram grandes cenas do cinema? Ebulição de amores, fim de relacionamentos, cenas de terror, caos, perigo, suspense, sexo…(num simples esforço de memória revejo cenas do Quatrilho, Sr e Sra Smith, Como Água para Chocolate, Tomates Verdes Fritos…tantos!). É como se ela fosse o espaço para todas as emoções e todos os encontros. Ela permite o devaneio.

E sabe de uma coisa? É isso mesmo.

O ato de cozinhar carrega a magia do renascimento. Na medida que manuseamos os alimentos, movimentamos algo dentro de nós. Os sabores alinham-se, contrastam-se, as texturas surpreendem e emergem os nossos segredos e vontades. A máxima clichê de que cozinhar é um ato de amor não é em vão! Eu vou além: “Cozinhar é um ato de amor próprio”. E de descoberta “de um tanto de si em cada sabor”. Amargos, doces, salgados, azedos, cítricos, intensos, suaves, quais são as suas nuances?

A receita ganha vida e história, preparo após preparo pelo qual ela passa e no seu lastro, torna-se parte dos olhares trocados, das conversas de “beira da pia”, dos cheiros sem rumo que invadem os sentidos e modificam humores. É a cozinha que troca favores: você a possibilita ser viva, ela te transforma em vivente.

A refeição foi transformada em ato social e, na Santa Ceia, o homem pegou o pão, dividiu entre os outros homens, selando um pacto eterno. Somos pura simbologia através do prato. E fecho minhas mãos em prece aos Deuses das especiarias para que não reneguemos a cozinha a terra de ninguém!

Adentrar-se nesse mundo de cores e sabores requer vontade, uso dos nossos mais íntimos sentidos e a consciência de escolhas que permeiam a saúde em seus mais amplos aspectos. Terminando por quem comecei, “Nas suas origens, sabor e saber são a mesma coisa. O verbo latino “sapere” significa, a um tempo, tanto saber quanto ter sabor.” Que cada um de nós saiba empunhar a sua colher, “saber dos seus sabores”, mexer a sua panela e conscientizar-se que o lugar de todo mundo…é na cozinha!