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Seiscentos quilometros...Fernão dias rumo a Belo Horizonte numa véspera de feriado em São Paulo. Rever os amigos, rever a família...rever os cheiros da cidade que eu amo e a qual pertenço de maneira absurdamente visceral. Sou Mineira. Isso me define, mas não me limita! Essa definição, contrariamente, confirma a liberdade de saber para onde voltar, sempre. Por mais que eu me perca, por mais que eu me engane, tem sempre uma montanha para me guiar.

Tenho vertigem de lugares muito planos.

Mercado Central...Fila de almoço para uma casa cheia, cerveja gelada encostada no balcão histórico e onde já se encostaram os heróis e bandidos das histórias que realmente me interessam. Pratos com gostos indescritíveis, temperos de alma que invadem os sentidos e me levam para viagens atemporais. Criança, adolescente e mulher se encontram em uníssono. O bem estar de estar bem ali. Aquela coisa boa de olhar ao redor e estar satisfeito.


Depois, um passeio despretensioso pelos caminhos sinuosos e coloridos. Perder-se deliciosa e inevitavelmente entre as bancas de coisas boas e de gente boa...de gente que te olha nos olhos e te sorri com eles, além da boca. Bons dias, boas tardes, boas noites!


E anoitece, tudo tão facilmente combinado. Os bares, como fadas cheirosas e regateiras, nos chamam...e nós? Ah...a gente vai, uai. Que não é do nosso feitio resistir...As possibilidades são tantas, tantas...que parte da noite é sempre vagando entre elas. E então a gente pousa, são drinques, cervejas, são chopes, são pratinhos saltitantes de tira-gostos. E gargalhadas. E música. E bate papo que se adentra na madrugada sem fim. Diferentemente de outras Capitais, Belo Horizonte dorme. Nós, mineiros, é que insistimos em permanecer acordados...

Existe um mistério que não consigo explicar. Existe uma mistura de vidas na vida Mineira que não sei explicar. Talvez venha do sotaque, que carrego com orgulho e com uma certa desconfiança por não percebê-lo em mim. Talvez venha dos três beijinhos do generoso cumprimento mineiro. Talvez venha escondido na fala política e engajada que permeia as mesas e todas as relações. Talvez venha da beleza acessível do povo e das mulheres bem vestidas, bem amadas e bem resolvidas que caminham na rua. Talvez seja das árvores centenárias e imponentes que se espalham pela cidade...ou talvez seja a simplicidade que torna a atmosfera dessa terra única e singular.

Tomar café de tarde. Toma-se café em todas as cidades do Brasil...mas em Minas, tomar café, à tarde, é alguma outra coisa que transcende. É comer bolo, pão, é comer broa...é ficar na mesa – abrindo e fechando a garrafa – é manteiga...é um cheiro que invade a cidade e toma de rompante o olfato...e desconcentra o mais taciturno executivo. É o pão de queijo...que finda em si como perfeição gustativa. Tem tudo numa bolinha...cheiro, gosto, textura...satisfação. Ahhh...

Não é à toa que me acham estranha em São Paulo. Olham para mim com olhares de zomba ou com uma inveja velada. Reparam no meu “sutaque”...acham que eu só como feijão tropeiro e carne de porco. E acham que sou movida à cachaça...

O engraçado é que eles acertaram em parte...mas, por isso mesmo, erraram de longe.

E se agora, nesse torturante retorno, o caminho que me espera na outra ponta da estrada não é mais a minha terra, enfrento com a força de quem carrega a sua condição no peito: “Sou do mundo, sou Minas Gerais”.


(30/06/2010)